domingo, 13 de janeiro de 2008

Larsen em uma missiva recente

Esqueça as ilusões de que vou dizer qualquer coisa reconfortante. Sei que está bem e isso nada tem a ver com as minhas preocupações momentâneas. Fico bem ao pensar que sua paz é decerto verdadeira finalmente e isso ajuda esta carta em seu objetivo. Você bem pouco pode fazer para mudar minha situação além de ler estas palavras de algum modo pacificadoras desta madrugada claudicante que passo.
Irina Larsen mandou uma mensagem hoje para mim. Refém de seus íntimos rancores, teima em supor que não chegarei a caminhar sozinho... Já estou tão longe. Enxergo assim uma face nem sempre tão evidente nela e em mim: a "indiferença".
Creio que a minha curta contradição - afinal, escrevo a respeito dela - tem um cunho ainda mais amplo: possuo meios de avançar além do que imaginava, inclusive na observação que faço do que sobrou entre mim e ela... Uma solidão, no meu caso, tão escolhida quanto severa; uma ausência imposta, no dela, que beira a saudade.
Ontem, ao voltar de meu ofício rotineiro, parei próximo a uma praça: assistia umas pessoas. Um casal que dias atrás via cheio de volúpias, tinha horizonte diametralmente oposto. Conheço pouco ele; dela, sei o que qualquer homem sabe após um romance irresponsável e pleno, nada mais. Fica claro que buscam rumos outros e deixam para admitir para Morpheu toda noite.
Trouxe desse exercício cretino de voyeurismo a certeza de que tenho feito certo. É bom estar longe em horas como estas, que transbordo livremente minhas palavras sem que tenha de dar conta delas a alguém que poderia fechar meu mundo em suas mãos e ilhar-me em seus sonhos. Respondo amplamente aos meus instintos: consumo meus livros e meus copos de seja-lá-o-que-for de maneira que só obtive companhias cientes de quem eu era e que buscavam em mim apenas o que poderia oferecer.
Com uma delas, encerrei uma garrafa de vinho. Não posso negar que nos amamos verdadeiramente: estávamos ali. Nada em qualquer um de nossos pensamentos nos afastava do prazer de permanecermos juntos. Sentíamos. Dou valor a isso. Guardamos nossos olhares apenas ao que nos era lúdico. Vivere cum delactare. Atingi uma espécie de gratidão, uma contemplação à moda grega - para lembrar, Theoria... - que me permitiu a poesia outra vez. Como pode alguém presente por tão pouco tempo causar tamanho deleite?, você pergunta e eu digo, não sem uma leve ironia: sendo presente.
Irina foi-me qualquer coisa menos um ente nos últimos tempos... Custo a admitir, mas eu também. Somente duas coisas conseguem ficar paradas igual àquela realidade que vivíamos tolamente por tanto tempo. Onde estava a companhia? Em um lugar na lembrança que me permitiu sufocar de vontade e emergir do esquecimento de quem sou.
É óbvio, não sem uma gota de humour, que nós-outros saibamos dessa pretensa "indiferença" entre mim e ela uma ilusão custosa por demais. Por ridículo seja, é a verdade. Moro nas diversões que a solidão me traz, deveria eu não me importar com a mensagem ou suas saudades. Ela, tenho por seguro, em breve terá também seu quinhão de alegria. Mas precisa parar de querer reificar as pessoas em sua teia de inércia. Como ainda quer comigo.
Espero, amigo, que, através desta carta, possa criar alguma compreensão da minha inquietação. Enquanto procuro outra amiga com quem possa me sentir bem, aguardo a hora para o nosso velho colóquio face-a-face.
Sucesso,
Heinrich Larsen

Um comentário:

Frau disse...

A teia ainda existe!